domingo, 27 de maio de 2012

SONHO E REENCONTRO










Ouço a melodia da canção interior
evocando-me ao encontro com a noite
que repousa sobre minhas pálpebras,
determinadas a se fecharem
Entrega-se o corpo à sua vontade

A alma exilada
liberta-se e entrega-se
ao infinito,
com o brilho que abriga
cada indivíduo

Reencontra velhos amigos: recompensa para a alma aflita
Clama por sábios conselhos,
anseios pela universal comunhão
Causa repulsa a humana contradição
Expõe a pueril desdita: imperfeição prevista!

Caminho percorrido, retorno inevitável
A matéria reabre a sua cela,
em inércia temporária
trancafia seu exilado
Lentamente os olhos se abrem

Desperta o corpo para o amanhecer do dia
A alma é apoderada por uma paz
intuitiva
Dispõe-se a continuidade
da estrada-vida...


NOTA DO AUTOR:

O adormecer do corpo é tratado como oportunidade de libertação para a alma exilada. O reencontro com "velhos amigos" é clara referência à pré-existência e a imortalidade da alma. Sem intenção de doutrinar, no entanto, o texto estrutura-se sobre a intenção de demonstrar que o período de sono, necessário ao descanso orgânico do corpo, serve à alma, como período de refazimento espiritual, quando a individualidade imortal recebe instruções, aconselhamentos e incentivos para a continuidade de suas atividades, no retorno da alma ao corpo, para o desempenho de suas tarefas sobre a Terra. O sonho, por vezes, representará simbolicamente as impressões da mente sobre este período de repouso material.   

domingo, 20 de maio de 2012

MULHER E VIDA






Em frente ao espelho brotam lágrimas
dos olhos da triste mulher: desabafo desmedido
Na beira-mar, a outra espera que às águas tragam consigo,
o saudoso amor, acalentado e querido
A faceira menina escolhe o mais belo vestido
e espera, na sacada da janela, o amor escolhido

No ventre, a moça carrega mais uma vida
a ser lançada livre ao mundo: momento sublime e profundo
Em um escritório, a senhora preocupa-se
com as contas do dia,
e apaga a ponta do cigarro
no cinzeiro da sala vazia

Subindo o morro, Dona Maria,
mesmo cansada, pensa nos quatro filhos,
na janta por fazer e na casa pra arrumar
Faces distintas, interrelacionadas
pela intraduzível alma,
da feminina forma de vida

Desencantos passados, amores presentes,
Dissabores vividos, marcas, feridas...
O inominável mistério da espera,
sentida
Os perfumes, as flores, o passar dos meses...
O interminável jogo dos reveses

Mulher é vida doada
É renúncia desprovida de arrependimento
Bálsamo que desnuda
a aspereza da ingratidão
Mulher: transformadora da rotineira
ironia do dia a dia

Cântaro de múltiplos
e vivazes odores
A casa fortaleza,
por vezes,
frágil realeza:
Escola pro mundo apreender


NOTA DO AUTOR:

A crônica acima é uma homenagem à "...feminina forma de vida", como descreve o texto.
A triste mulher, a outra que espera à beira-mar, a faceira menina, a moça que carrega no ventre uma nova vida, a senhora, em um escritório, com as conta do dia, Dona Maria subindo o morro...são faces distintas, irmanadas e representativas de aspectos que envolvem o perfil desta alma múltipla e intrigante, que se mostra, ao mesmo tempo, imprevisível, autêntica e enigmática; de encantadora singeleza.
De fato, em tempos passados e no presente: "Escola pro mundo apreender".

domingo, 13 de maio de 2012

PAUSA E SILÊNCIO












Onde anda a onda que levou Maria?
Em pratos prontos apresentados na triste ceia?
Na chuva repentina banhando o calor, o verão?
Esteja talvez, Maria, mais próxima da minha lógica
Erguendo o véu da procura desmedida:
- Chove Maria em mim!

Soletro as letras do teu nome
Em cantigas rodam nas rodas, Marias que somem
Reencontro-a em castos rostos pueris,
em vagas lembranças de aprendiz:
Aprendiz de ti.

Difere minha dor
da amargura da saudade
Em verdade, Maria é a procura
da suavidade de reescrevê-la

No peito dilacerado escorrem cálidas farpas
Sustento hospedeiros braços, esperando-te lisonjeiros
Guardam minhas retinas o fulgor
ímpar-menina da tua pele morena

Maria caminhas faceira por um mar de estrelas
lançadas tão somente para agradar-te a beleza
Amo-te com leveza, pois renuncio ao festejo permanente
Desejo-te com ternura:
Os campos Elísios da boa ventura


NOTA DO AUTOR:
O autor se expressa em torno de uma figura central: Maria.
A musa é procurada, soletrada, reencontrada, esperada, amada, renunciada e desejada pela voz poética que a idealiza como símbolo do repouso, da infância feliz, casta, suave.
Ao mesmo tempo, Maria é projetada como um ideal de beleza que leva o poeta a renúncia aos seus desejos, para resguardar a bem aventurança de sua amada, na intenção de mantê-la inatingível para adorá-la. 



domingo, 6 de maio de 2012

TEMPORALIDADE










Há um tempo de repensar:
Tempo de recomeço.
São dias em que o homem
invade o passado
e retira-lhe os contratempos:
Tempo de inventos.

Dias outrem resolve o homem
encarar o presente, tendo por amigo a realidade:
Tempo da verdade.
Maneira singular transpõe o homem
para um incerto círculo de porto seguro:
Tempo futuro.

Não são mais contados os dias, pouco importa o passado e os contratempos
O presente antes ausente é agora a forma real
Não o presente de tempo indefinido,
mas o presente presença, a alegria bem vinda de estar,
a evidência:
Tempo da consciência.


NOTA DO AUTOR:

Temporalidade: o diálogo do homem com o tempo. Esta é a ideia resumo do texto.
Tempo de recomeço, tempo de inventos, tempo da verdade, tempo futuro e tempo da consciência. São medidas de tempo que exclue o passado. Com relação ao pretérito o homem "...invade o passado e retira-lhe os contratempos", ou "...pouco importa o passado e os contratempos", são transcrições parciais do texto acima.
Relevante ao homem é resolver suas viáveis pendências, aquelas que solicitam sua ação imediata, reclamando soluções: recomeço (renovar), inventos (criar), verdade (reafirmar), futuro (consolidar).
O homem e o tempo: criatura e criação irmanados pela transitoriedade da existência.