domingo, 31 de março de 2013

TESOURO: OCULTO, ACHADO E ESCONDIDO



“... semelhante a um tesouro que, oculto no campo, foi achado e escondido por um homem...”.
 (Mateus, 13; 44.)



A parábola do tesouro ensina a localizar a verdadeira riqueza do homem.
 
 
Agostinho, o Bispo de Hipona, reflete há horas. Caminha de um canto ao outro de seus aposentos, pàra por um instante diante da janela, ausculta o silêncio da cidade africana, e pensa consigo: “Deus está no homem, e este em Deus?”
Toma da pena, senta- se e escreve tomado pelo ímpeto da resposta:
“... Será, talvez, pelo fato de nada do que existe sem Ti, que todas as coisas te contêm? E, assim, se existo, que motivo pode haver para te pedir que venhas a mim, já que não existiria se em mim não habitásseis?
Ainda não estive no inferno, mas também ali estás presente, pois, se descer ao inferno, ali estarás.
Eu nada seria, meu Deus, nada seria em absoluto se não estivesses em mim; talvez seria melhor dizer que eu não existiria de modo algum se não estivesse em ti, de quem, por quem e em quem existem todas as coisas? Assim é, Senhor, assim é. Como, pois, posso chamar-te se já estou em ti, ou de onde hás de vir a mim, ou a que parte do céu ou da terra me hei de recolher, para que ali venha a mim o meu Deus, ele que disse: Eu encho o céu e a terra?”(Santo Agostinho - Confissões, Parte I, Livro I, Capítulo 2).
 
Deus fala ao homem em sua consciência.
O evangelista Mateus anota a parábola do tesouro contada por Jesus para instruir o homem que caminha de forma distraída, despreocupada, pelas vielas do mundo.
Uma aparente casualidade parece acompanhar o homem que encontra oculto no campo, um tesouro. O homem achou o tesouro, mas o escondeu. Feliz com a descoberta vendeu tudo o que possuía e comprou aquele campo.
Intrigante sequência:
Tesouro: oculto, achado e escondido.
Oculto: não visível, e assim permanece até que alguém o descubra.
Achado: Descoberto torna-se visível, identificável. Agora é possível avaliá-lo.
Escondido: Volta a estar oculto às vistas alheias, mas o seu descobridor conhece onde está. Para ele não está mais oculto, invisível, pois sabe localizá-lo e reconhece o seu valor.
O Reino dos Ceús é semelhante a um tesouro...
Em nossas trocas mercantis somos instigados a adquirir o objeto das nossas necessidades. Com os valores do espírito o chamado excede a necessidade externa, por ter sua origem em raízes internas profundas.
Embora não procurasse o tesouro oculto no campo, o homem quando o achou, de imediato com ele se identificou. E tamanha foi a sua alegria que não hesitou. Vendeu tudo o que possuía (mas, não lhe pertencia), e comprou (tomou pra si) aquele campo.
Perceba leitor que homem achou o tesouro em um campo que não era seu. E só o reconheceu como um tesouro por saber o seu valor. Por isto, tornou, por zelo, a escondê-lo. Poderia ter comprado somente o tesouro, ou tê-lo levado consigo sem que ninguém o soubesse (pensariam os furtadores, que desejam colher onde não semearam), mas não o fez. Comprou o campo e com ele o seu tesouro.
Razão, sentimento e consciência: esta é a tríade que move as ações humanas.
A razão nos sugere pensar, raciocinar em bases claras, lógicas, com fundamentos.
O sentimento nos sugere sentir com intensidade e entrega sem condicionamentos.
A consciência pondera entre o pensar e o sentir, e nos faz intuir a sabedoria que vem do alto. É de fato, Deus conosco.
Por vezes, a razão equivoca-se e o sentimento se desvirtua, mas a consciência permanece intacta, pois emana do Criador e faz eco em nossa mente.
Basta ouvir a consciência: tesouro oculto (descoberto) no campo do nosso pensamento.
 

domingo, 24 de março de 2013

POR QUEM LEVEDA A MASSA?





“... semelhante ao fermento, que uma mulher tomou e escondeu em três medidas de farinha, até ficar toda ela levedada”.
 (Mateus, 13; 33 – Lucas, 13; 20-21.)
 

Sob o calor das provações o homem renova-se impulsionando a história.
 

O monge agostiniano levava a sério a sua vocação. Difícil e penoso foi o caminho de afloramento da sua alma.
Lutero era meditativo, austero, melancólico e dedicado ao estudo dos seus autores prediletos e da Bíblia.
Não seria no claustro, no entanto, que encontraria a paz interior que procurava. Orava, jejuava, mas não conseguia se libertar das angústias íntimas e das questões de consciência que o perturbavam.
Staupitz, sacerdote, seu amigo e conselheiro dizia para consolá-lo:
“De minha parte, prometi a Deus, mais de mil vezes, ser melhor, e ainda não cumpri minha promessa”.
A alma atribulada do noviço confortava-se ao ouvir a humilde confissão do amigo. Aquietava-se por algum tempo, porém Lutero se afligia pela incerteza da sua salvação. Duvidava que as práticas religiosas resolvessem esta questão.
Terminou o noviciado, fez os primeiros votos e aceitou as vestimentas da Ordem. Tornar-se-ia, por fim, um homem novo?
Cumprindo uma praxe do Cristianismo primitivo, o noviço recebia a imposição de mãos. Na época apostólica, este gesto, conferia ao receptor a ativação dos dons espirituais, caso fosse o caso, porém, agora se reduzia tão somente a um rito simbólico, vazio e automático. Com um círio aceso, a cerimônia se encerrava com a invocação do Espírito, num hino chamado Veni Sancte Spiritus. Para encerrar o jovem recebia de todos os irmãos o ósculo (beijo) cristão.
Após o encantamento das primeiras horas da ordenação, que representaram uma curta trégua íntima, Lutero viu recomeçarem suas dúvidas e angústias. Onde encontraria a paz?
- Eu era – diria Lutero – o homem mais miserável da Terra. Dia e noite, somente o desespero e o lamento me faziam companhia, e ninguém poderia fazer algo por mim, porque eu não conhecia Jesus Cristo, quer dizer, eu o temia. Via-o como um severo juiz de quem procurava fugir sem, contudo, jamais conseguir.
 
Este episodio da vida de Martinho Lutero (1483-1546), expõe a fragilidade do então monge agostiniano, atormentado por duras provas morais.
É fácil, no entanto, nos identificarmos com suas angústias. Quando desperto para as realidades do Espírito, o homem sofre intensamente por suas limitações frente aos horizontes de uma nova vida que se desenrola às suas vistas, sem que possa identificá-la com a clareza desejada.
A fé carece do respaldo de suas inseparáveis companheiras: a esperança e o amor.
Paulo, o apóstolo de Tarso, confirma esta realidade em I Coríntios 13; 13: “Agora, pois permaneçam a fé, a esperança e o amor, estes três, mas o maior é o amor”.
 
Em uma de suas parábolas Jesus compara o seu Reino ao fermento que uma mulher tomou, e escondeu em três medidas de farinha, até ficar toda ela levedada.
Fermento = Reino dos Céus (Paz de espírito);
Mulher = ser humano, a massa do Reino;
Três medidas = Fé, Esperança e Amor.
 
Esta é a receita da Autorrealização humana. Sob o calor das provas, a massa da razão e do sentimento é submetida à levedura. Escondida, num primeiro momento, a substância do Reino em nós, chama-se Consciência. Aflorada, em vigília, ela ofertará o pão que sacia a fome das multidões.
O autoencontro não se dá no claustro. É na ceia que o pão é partilhado.
E por quem leveda a massa?


 OBS: Citação biográfica sobre Martinho Lutero escrita com base em relatos do livro "As Marcas do Cristo", de Hermínio Côrrea Miranda, Editora FEB.
 

domingo, 17 de março de 2013

ENQUANTO DORMIAM OS HOMENS...




“Mas enquanto os homens dormiam, veio um inimigo dele, semeou joio no meio do trigo e retirou-se... Deixai crescer ambos juntos até a ceifa; e no tempo da ceifa direis aos ceifeiros: ajuntai primeiro o joio e atai-o em feixes para os queimar, mas recolhei o trigo no meu celeiro”.

 (Mateus 13; 24-30)
 

Jesus ensina a parábola do joio, alertando seus discípulos sobre a adulteração da verdade, e a necessidade de discernir o bom fruto no momento da colheita.
 

O Reino dos Céus é semelhante a...
Ensina Jesus que o Reino dos Céus é semelhante a um homem que semeou boa semente no seu campo.
Mas, se a semente é boa, por que nasceu junto ao trigo o joio?
A resposta está na própria parábola, pois é textual a causa do crescimento do joio: “... os homens dormiam”. Semeou o joio o inimigo do próprio homem: a invigilância.
Semeou e retirou-se. Como em todos os tempos, e em todas as épocas, a semeadura do joio ocorre na “hora morta”. Quando o homem se envaidece da boa semente, contando, desde já, com a colheita farta, os celeiros cheios. Despreocupado e orgulhoso do seu plantio.
 
Enquanto dormiam os homens...
O joio é inicialmente imperceptível. A erva cresce e dá frutos. Confunde-se com a boa semente. Surpreende o homem que piamente acredita no proveitoso plantio.
“Senhor, não semeaste boa semente no teu campo? Pois donde vem o joio?”
O joio está para o trigo assim como as ações humanas estão para a Verdade.
E a Verdade? Ora, a Verdade não pode ser opinião humana, pois está na Lei divina.
A verdade não está nas doutrinas de interpretações parciais, nas vaidosas disputas do poder, na intolerância dos dogmas, no interminável jogo de interesses e conveniências.
A verdade está integralmente na Lei de Justiça, Amor e Caridade.
Mas, se conscientemente sabemos disto, de onde vem o joio?
Responde o Senhor da parábola: “Homem inimigo é quem fez isso”.
A Natureza imperfeita do homem é avessa a verdade. Ela o incomoda, o aborrece, porque sabe que nela encontrará a condenação dos seus atos.
Por isto, cria o homem seus subterfúgios, suas justificativas. Falsifica a Lei, adultera os mandamentos. Ilude-se para sobreviver a si mesmo. Embriaga-se no egoísmo, e entorpece a consciência.
 
Enquanto dormiam os homens...
Quando percebe o seu engano, querem os homens arrancar o joio. Voltam-se violentamente para se livrar do mal que os envergonha, expondo suas fragilidades.
A sabedoria divina, no entanto, intervém. Conhecendo a impulsividade humana, aconselha a parábola, a não arrancar o joio: “... para que não suceda, que, tirando o joio, arranqueis juntamente com ele o trigo”. Tendemos a renegar tudo aquilo que não compreendemos. O que causa nossa queda, também resulta em redenção.
Que cresçam juntos o joio e o trigo até o momento da ceifa!
E no tempo propício, na hora da colheita, o Senhor do campo dirá aos ceifeiros: “Ajuntai primeiro o joio e ataio-o em feixes para os queimar”. O joio tem dias contados, é fruto da desobediência, da mente corrompida, do conluio com o mal. Ausência do Amor.
 
Enquanto dormiam os homens...
O Senhor do campo os desperta da apatia espiritual. Convoca-nos a prestação de contas.
 
Onde se esconderá o farsante?
O que fará a serpente sem o seu veneno?
Atado em feixes o que poderá o joio?
 
O Senhor do campo, por fim anuncia:
“... recolhei o trigo no meu celeiro”.
 
Após a colheita, apartado do joio, o trigo será a fartura do Reino.
Quem tiver ouvidos de ouvir, ouça.


AVES DO CÉU! POUSAI NOS RAMOS...




“... o qual grão é, na verdade, a menor de todas as sementes, mas depois de crescida é a maior das hortaliças e faz-se árvore, de tal modo que as aves do céu vêm pousar nos seus ramos”.

 (Mateus, 8; 31-32 – Marcos, 4; 30-32 – Lucas, 13; 18-19.)
 
A parábola do grão de mostarda é a lição da expansão gradativa da espiritualidade humana.
 
Jesus menciona com frequência o Reino dos Céus.
Esta sua insistência é intencional. Parece-me que o Rabi deseja que ampliemos nossas vistas para este Reino.
Alguns aguardam encontrar o Reino dos Céus na vida eterna, na vida futura ou nas variantes desta crença. Mas, as palavras de Jesus são tão impactantes, destacadas em tão vivas cores que é impossível não situá-lo no espaço-tempo em que nos encontramos.
A dinâmica de ensino de Jesus é a pedagogia da vivência. O Mestre sente nossa carência de exemplificação, de padrões de conduta, de viável aplicação da lei divina.
A parábola do grão de mostarda é uma obra prima de síntese e profundidade. Sintetiza, resume quando simboliza. E aprofunda quando compara.
A menor de todas as sementes: o grão de mostarda. Semelhante a ele, o Reino dos Céus.
Estando este Reino em toda parte e localidade, acima, embaixo, à direita e à esquerda, na imensidade infinita dos astros, e no invisível éter que preenche o aparente vazio do Universo – este Reino – é comparável ao pequeno grão em vasto sentido.
Há quem se mostre indiferente diante da ciência do Reino. Zombam, inclusive daqueles que dedicam seu tempo, seus estudos e reflexões, em torno de “fantasias, superstições e crendices”, segundo eles.
No entanto, a insignificância da espiritualidade aos olhos dos descrentes converge para o grão de mostarda, que embora possua diminuto aspecto traz consigo o progresso latente.
O homem tomou e lançou a semente no seu campo – assim descreve Jesus na parábola.
Atente que o homem tomou a semente. Não estava de posse dela, foi ao seu encontro, tomou-a nas mãos, tal como o homem falível que sabe não ser detentor da verdade, devendo buscá-la em outra parte.
Observe que o homem lançou a semente. Não bastando tê-la nas mãos, precisava de campo fértil para semeá-la. E semeou onde? Informa Jesus na parábola que o homem lançou o grão... no seu campo. Fica claro que a plantação do Reino se inicia em nosso campo. Querer semear e colher em campo alheio é ignorar a sabedoria divina que solicita o cultivo em terra própria, em terra que dê bons frutos.
A fragilidade ocasional da semente, do grão de mostarda, surpreende os olhos desatentos. Pois, se era ignorada até então por seu tamanho reduzido, passa a ser admirada pelo seu desenvolvimento. Cresce, torna-se a maior das hortaliças e se faz árvore.
O homem que se empenha na semeadura e no cultivo do pequeno grão da lei divina terá farta colheita de fé e consolação. Não deve se orgulhar de boas obras, porque não foram ocasionadas por mérito pessoal, mas por compaixão da Providência, que nos enseja intermediar a vontade do Criador.
Nesta ocasião, quando a maior das hortaliças tornou-se árvore, as aves do céu vêm pousar nos seus ramos.
Aves do Céu!
Mensageiros do Amor e da Paz. Celestes Benfeitores que socorrem a aflição, o infortúnio.
Aves do Céu!
Tão bem conhecem o conflituoso coração humano com suas imensas contradições.
De diminuta semente a maior das hortaliças, de maior das hortaliças a árvore copada.
De grão em grão de grau em grau:
- Aves do Céu! Pousai nos ramos...
 

domingo, 3 de março de 2013

O SEMEADOR, O SEMEAR E A SEMENTE

 
 
 
“... e ajuntou-se a ele grande multidão, de sorte que ele entrou e assentou-se num barco, sobre o mar, e toda multidão estava em terra junto do mar...”.
 (Marcos 4; 1-23)
Jesus ensina para a multidão a parábola do semeador, esclarecendo que há diferentes terrenos para semeadura.
 
Entre encostas...
De um lado Jesus sobre o barco. Do outro a multidão sobre a terra.
O Mestre ensina. A multidão ouve.
Conta-lhes uma nova parábola: A parábola do semeador.
“Saiu o semeador a semear a sua semente...”
Tantos tipos de terrenos quantos tipos de almas.
Há almas “pedra”. Ouvem, a palavra cresce, mas seca, pois não há umidade.
Há almas “espinhos”. Ouvem, a palavra cresce, mas os espinhos a sufocam.
Há almas “boa terra”. Ouvem, a palavra cresce, e dá fruto cem por um.
Repare que todos os tipos de almas ouvem. Mas, só a “boa terra” entende.
“Quem tem ouvidos para ouvir, ouça”. E compreenda:
A semente é a palavra divina. Sua eterna Lei. O amor é o seu fundamento. A justiça seu repouso, e a caridade é sua expressão.
 
Entre encostas...
De um lado Jesus sobre o barco. Do outro, a multidão sobre a terra.
Jesus é o navegante portador da semente. O semeador que traz consigo a palavra e a água regenerativa do Evangelho: fonte de vida eterna.
A multidão é o vasto terreno da humanidade. Necessitada da boa semente.
No entanto, a natureza tem os seus ciclos. Os meses as suas estações. Nem toda terra está pronta para receber a semente. A fertilidade é encontro no tempo propício e exato.  
 
O semeador, o semear e a semente.
Jesus é o semeador por excelência. Porém, carece de semeadores auxiliares. Não basta lançar a semente ao solo. Antes é preciso arar, formar leiras, adubar e regar. Tratar o solo com zelo e diligência. Tanto quanto o trabalho do cultivo vale a vigilância. O semeador alimenta-se da esperança de que a semente vingue no tempo certo. Seja a colheita farta e proveitosa.
Semear é ato contínuo. Antecede o lançar da semente. Semear é predispor-se ao trabalho, antes que o trabalho nos convoque. É ter bom ânimo, a certeza da boa colheita antes de dispor do terreno para a semeadura.
A semente é a eterna e divina palavra. É o pensamento de Deus verbalizado. É conhecer a casca e o fruto. Mas, saber romper a casca e revelar o fruto. É saber do fruto a sua seiva. É alimentar-se e dar de comer da polpa. Ser semente ao semeá-la.
 
Entre encostas...
De um lado Jesus sobre o barco. Do outro a multidão sobre a terra.
Atreva-se!  Ultrapasse a margem. Vá ao encontro do barco.
O navegante solicita marinheiros.
E nesta travessia o mar é o não tempo, pois em Cristo novas são todas as coisas.
O semeador, o semear e a semente...