domingo, 24 de fevereiro de 2013

CENTURIÃO AVALISTA


 
“Senhor, eu não sou digno de que entres em minha casa; mas dize somente uma palavra e o meu criado há de sarar...”

 (Mateus 8; 5-13) 
 
O encontro do centurião romano com Jesus é exemplo genuíno de fé e humildade.
 
Jesus estava em Cafarnaum, cidade a noroeste do mar da Galiléia, na região de Zabulon e Naftali. Era um centro pesqueiro e de cobrança de impostos. Foi para Cafarnaum que Jesus se mudou, vindo de Nazaré, no começo de seu ministério público. E nela centralizou suas atividades. Próxima à foz do Rio Jordão, onde João Batista ensinava, convidando o povo ao arrependimento dos seus erros.
Como Cafarnaum ficava na rota comercial que ia da cidade de Damasco ao Mar Mediterrâneo, com grande movimentação de pessoas, devido a importância da cidade, o governo de Roma tinha por lá uma milícia composta por cem soldados, sob a direção de um comandante.
Centurião – este era o título dado ao comandante da milícia, exatamente por comandar cem soldados.
Relembremos os fatos: Jesus entrou na cidade de Cafarnaum, e de pronto, o centurião abordou o Mestre. Contou que o seu criado estava em casa, paralítico e que sofria horrivelmente. Estas são as informações que, de imediato, o centurião verbalizou ao Médico das almas.
O que disse Jesus? Sem rodeios, afirmou: “Eu irei curá-lo”.
Conhece, caro leitor (a), algum médico que sem ver o doente, sem examiná-lo, sem perguntar sobre os sintomas, afirma categoricamente, e à distância: “Eu irei curá-lo”?!
É formidável a presença de espírito de Jesus! A sua autoridade e dignidade espiritual.
Um médico humano, falível diria: “Eu irei tratá-lo”, mas não afirmaria a cura de antemão. É evidente que Jesus conhecendo profundamente os homens, percebera no centurião a sua predisposição à fé. Sabia que uma autoridade romana não iria se dirigir a um rabi popular, se não fosse um homem diferenciado.
A nobreza do centurião se confirma quando externa uma das mais belas frases dos evangelhos: “Senhor, eu não sou digno de que entres em minha casa; mas dize somente uma palavra e meu criado há de sarar”. Que fé extraordinária possuía este homem! Que lição de humildade nos deixou!
Quantos de nós, em nossas aflições, pedimos, inadvertidamente, auxílio de Deus para todo e qualquer percalço que venha a surgir em nosso caminho. O centurião não pediu para si mesmo. Pedia por seu criado. Reconhecia sua imperfeição. Sabia não ser digno de um Espírito puro como Jesus, porém, não clama pela presença do Mestre. O centurião pede uma palavra de Jesus, crendo que isto seria o suficiente para a cura.
Tão expressiva foi a admiração de Jesus frente ao pedido do centurião, que exclamou: “Em verdade vos afirmo que nem mesmo em Israel encontrei tamanha fé”.
O centurião dissera antes a Jesus que também estava sujeito à autoridade. Sim, o centurião estava sob as ordens do governador de Roma. No entanto, ele diz “também”. Reconhece que Jesus também era um preposto. Porém, o preponente do centurião era uma autoridade humana, falível e transitória. Enquanto que Jesus representava a autoridade do Criador, Deus, sendo a sua, uma autoridade divina.
Quantos poderosos entre os homens reconhecem esta distinção?
É lógico pensar que antes de procurar Jesus, o centurião tenha buscado o auxílio dos médicos. Sendo uma autoridade com recursos, e muito estimando o seu criado, tenha procurado tratá-lo, medicá-lo, assisti-lo. O que surpreende é a confiança do centurião. Certamente já ouvira falar sobre aquele Rabi que curava enfermidades e ensinava sobre um estranho reino dos céus. Entretanto, indo ao encontro do Mestre, e ao ouvir Jesus dizer prontamente que iria curar o seu criado, o centurião avaliza a promessa de cura do Cristo, e em expressiva manifestação de fé, pede apenas uma palavra.
A palavra pedida pelo centurião materializa-se na frase final de Jesus: “Vai-te, e como creste, assim te seja feito”.
Tal qual o centurião que possuía sob as suas ordens, muitos soldados, e que quando precisava que se cumprisse a sua vontade, apenas acionava o seu regimento; Jesus era assessorado por sua legião de Espíritos santificados, anjos tuletares, que sob as suas ordens, executavam os seus pedidos. E pela ação magnética dos benfeitores espirituais: “... naquela mesma hora sarou o seu criado”.
A finalidade do encontro de Jesus com o centurião foi exemplificar para a posteridade humana a eficácia da fé, quando há perfeita sintonia entre a humilde de quem pede e autoridade espiritual de quem concede.
Pela primeira vez na história um avalista da promessa (o centurião) teria no avalizado (Jesus) um credor. Sendo esta não uma contrapartida negocial, monetária, mas uma síntese da integração da fé humana com a fé divina.

domingo, 17 de fevereiro de 2013

SOB O OLHAR DE SIMEÃO


“Havia em Jerusalém um homem cujo nome era Simeão...”
 (Lucas 2; 25-35)
 

Passagem do evangelho de Lucas descreve a reação de Simeão ao ver o menino Jesus, e tomá-lo nos braços.

 
Simeão era sacerdote no templo de Jerusalém. Zeloso de sua fé e justo perante as leis de Deus.

Confiava no cumprimento da promessa da vinda do Messias. Instrumento digno para a execução da lei divina, Simeão recebera uma revelação.

O Espírito revelara-lhe que não morreria antes de ter visto o Cristo do Senhor.

Era a reafirmação da sua fé. Simeão acreditara convictamente na revelação. Já em avançada idade, ansiava por ver o Messias de Israel face a face.

O dia chegara. Novamente inspirado pelo Espírito, Simeão se dirige ao Templo, e quando José e Maria, os pais de Jesus, aproximam-se com o menino, na intenção de que se cumprisse o rito hebraico, segundo as prescrições da lei mosaica para os recém-nascidos, Simeão exulta entendendo a grandeza daquele momento.

Simeão toma o menino Jesus nos braços, louva a Deus, e eterniza suas palavras: “Agora, Senhor, despedes em paz o teu servo, segundo a tua palavra; pois já os meus olhos viram a tua salvação, a qual tu preparaste perante a face de todos os povos”.

Era o cumprimento da promessa. Sob o olhar de Simeão estava o Messias. No frágil corpo de uma criança ocultavam-se os mistérios da vida, morte e ressurreição. Era como se o céu descesse à Terra na figura de um anjo materializado em forma de menino.

A emoção de Simeão foi tamanha ao tocar no corpo do Cristo, que ele foi tomado pela inspiração do momento, e sentenciou: “Luz para alumiar as nações, e para glória de teu povo Israel”.

Jesus viera cumprir a esperança anunciada nas antigas escrituras hebraicas. Os olhos espirituais de Simeão detectara uma nova era para os povos. Israel não estava mais circunscrita em seu território, sob o jugo romano. Não. A partir de então, Israel liberta abarcaria consigo a grande família humana, e romperia o espaço e o tempo.

Jesus sintetiza o amor de Deus pelos homens. É fruto de uma videira bendita, cujo sumo celebra a alegria da redenção.

Como precisar o que passara no coração de Simeão naquele momento?

José e Maria se admiraram da reação de Simeão, e das coisas que ele dizia sobre o menino.

Simeão não se conteve. Abençoou os pais de Jesus, e olhando firme para Maria disse, ainda tomado pelo Espírito: “Eis que este é posto para a queda e elevação de muitos em Israel, e para sinal que é contraditado”.

A presença de Jesus sobre a Terra desnudou a hipocrisia humana tão acomodada ao poder e a ostentação. A criança que nascera na manjedoura de um estábulo, era um rei sem reinado ou súditos. Preferira convocar os homens ao autoencontro no reino interno do coração. Sem cobrar reverências, Jesus via nos homens, irmãos, e chamara os já despertos ao discipulado. Filho de Deus e Mestre foram os títulos que aceitou.

Sinal contraditado de queda e elevação. O Messias despertara nos homens emoções distintas. Uns o amariam, sem sequer o terem visto. Outros o odiariam sem sequer... ou por não o conhecerem. O amor e o ódio. Verso e reverso da precariedade humana.

Porém, no tom profético das palavras de Simeão, a dor é revelada ao se dirigir a Maria: “E uma espada transpassará também a tua própria alma, para que se manifestem o pensamento de muitos corações”.

No roteiro da divina epopeia cristã a renúncia tem lugar de destaque. Maria é a protagonista da dor materna, pois veria seu filho amado, ultrajado e morto. Quem avaliará a dor desta mãe?

O plano da divina Providência estabeleceu que assim fosse para que os corações humanos recebessem o testemunho de cada um dos partícipes deste capítulo decisivo da história.

Que profeta luminoso fora o sacerdote Simeão!

Com que sabedoria, e com quão belas palavras antecipara os acontecimentos.

Sob o olhar de Simeão o menino Cristo, não apenas nascera, mas fizera nascer um novo mundo a sua volta.

“Agora, Senhor, despedes em paz o teu servo, segundo a tua palavra”.

Vai! Mas, esteja conosco profeta Simeão!

domingo, 10 de fevereiro de 2013

JESUS CHOROU






“E disse: Onde o puseste? Disseram-lhe: Senhor vem, e vê. Jesus chorou. Disseram-lhe, pois os judeus: Vede como o amava”. (João 11; 34-36) 

Jesus chorou quando esteve na aldeia de Betânia. Atendendo ao pedido das irmãs de Lázaro, Maria e Marta, Jesus foi ao encontro do amigo que se encontrava enfermo. 

Lázaro estava enfermo.

Maria e Marta eram as irmãs de Lázaro.

Maria em outra oportunidade ungiu Jesus com unguento e enxugou os pés do Mestre com os próprios cabelos. Agora Maria clamava a presença do Rabi para curar o irmão.

Maria e Marta procuraram por Jesus informando a enfermidade do amigo a quem Jesus amava. Jesus amava aquela família: Maria, Marta e Lázaro.

Jesus informa as irmãs de Lázaro que aquela enfermidade não era para a morte do amigo, mas para a glória de Deus, e para que ele, Jesus, fosse glorificado pela cura de Lázaro.

Jesus, no entanto, não atende de imediato o pedido de Maria e Marta. Permanece por mais dois dias no lugar onde estava. Após estes dois dias, Jesus não foi de imediato para Betânia onde estava Lázaro, enfermo. O Cristo chama os seus discípulos e convoca-os para retornar para a Judéia.

Da Judéia Jesus e seus discípulos foram para Betânia, que distava de Jerusalém quase quinze estádios, cerca de seis quilômetros. Chegou à Betânia quatro dias depois do aviso da irmã de Lázaro. Muitos judeus consolavam Maria e Marta, pois acreditavam que Lázaro já estava morto. Marta ao saber que Jesus se aproximava, foi ao encontro do Mestre para ter com ele, enquanto Maria permaneceu em casa, assentada.

Marta diz a Jesus que se o Mestre estivesse ali, seu irmão não teria morrido. Maria parece repreender Jesus não compreendendo por que o rabi não viera o quanto antes curar Lázaro.

Marta, porém, ainda crê que se Jesus rogar a Deus, Lázaro tornará a vida. Jesus confirma: “Teu irmão há de ressuscitar”. Marta não compreende e acredita que Jesus se refere a ressurreição do último dia, conforme a crença judaica.

Jesus transmitia mais uma lição afirmando ser ele a ressurreição e a vida, e que aquele que crê ainda que esteja morto viverá, e aquele que vive e crê, nunca morrerá.

Há morte em vida, e há vida na morte.

Jesus chamou em segredo Maria, que se levantou e foi falar com o galileu. O Mestre ainda não chegara à aldeia de Betânia, mas Maria avistando-o, lançou-se aos seus pés lamentando, repetindo a Jesus, tal como Marta, que se o rabi estivesse ali, Lázaro não teria morrido.

Jesus se comove. Observa o desespero da irmã de Lázaro, que chorava intensamente. Também choravam os judeus que acompanharam Maria, e que agora estavam diante do rabi. Jesus rememora a cena, em que a mesma Maria ungia e enxugava o Mestre, amorosamente, com um zelo religioso, usando os próprios cabelos, véu da vaidade e formosura femininas, para secar os seus pés.

Naquele instante tinha novamente a irmã de Lázaro enlaçada nos seus pés. Não era mais a alegria, o contentamento que se expressava no semblante de Maria, como foi quanto outrora o servira. Maria, agora, chorava sem esperança, chorava a dor da perda, a saudade, a ausência...

De que adiantava, pensaria Jesus, falar-lhes sobre o reino dos céus, se tudo o que queriam naquele momento era o consolo, o alento da providência divina? Não viera ele para apaziguar o coração humano, cansado da precariedade da vida, que lhes escapava do corpo em que foram sepultados, e cuja morte os separavam sem aviso?

Jesus exerceu a alteridade. A capacidade de sentir com o outro.

A dor de Maria, naquele momento era a sua dor. Ao enlaçar os seus pés, a irmã de Lázaro formava um só corpo com Jesus. E o rabi a incorporara. Jesus e Maria se comoviam num mesmo pulsar de alma.

Era chegado o momento. Jesus pergunta onde estava Lázaro. E disseram-lhe: “Vem, e vê”. Era a senha aguardada. Jesus materializaria aos olhos humanos a vitória da vida sobre a morte.

Jesus chorou.

Constatam os judeus: “Vede como o amava”. Crendo que Jesus chorava por Lázaro.

Tomado de profunda emoção pelo episódio que atravessaria os séculos e marcaria a tradição cristã, o rabi pede para que retirem a pedra do sepulcro de Lázaro.

Levanta os olhos para o céu, agradece a oportunidade de manifestar o poder divino diante dos homens, carentes de provas visíveis da fé, e exclama em alta voz:

- Lázaro, sai para fora.

Para espanto geral, Lázaro sai. Mãos e pés ligados com faixas, e o rosto envolto num lenço. Desenfaixado e desperto, Lázaro tornou a vida.

O episódio de Lázaro não foi somente o milagre da ressurreição acima da morte.

Na ressurreição de Lázaro temos a integração de Jesus com a humanidade, representada por aqueles aflitos judeus que choravam a ausência de um irmão, de um amigo. As lágrimas da aflição desaguaram no mesmo leito das lágrimas da compaixão e da esperança.

No inesquecível dia em que Jesus chorou.

domingo, 3 de fevereiro de 2013

ZAQUEU, DO ALTO DO SICÔMORO





“(...) havia um homem chamado Zaqueu, chefe dos publicanos e muito rico que, tendo vontade de ver Jesus para conhecê-lo, não o podia por causa da multidão, porque ele era muito pequeno; por isso correu à frente e subiu a um sicômoro para vê-lo, porque ele devia passar por ali; Jesus tendo chegado a esse lugar, olhou para cima e, tendo-o visto, lhe disse: Zaqueu, apressai-vos em descer, porque é preciso que eu me aloje hoje em sua casa. Zaqueu desceu logo e o recebeu com alegria. Vendo isso, todos murmuravam dizendo: Ele foi alojar-se na casa de um homem de má vida...” (Lucas, XIX, v. 1-7). 

O que faria eu se soubesse que Jesus estaria hoje em minha cidade?

Mais de dois mil anos depois, temos a informação de quem era aquele profeta popular que falava em parábolas e anunciava o reino dos céus. Mas, Zaqueu, ainda não sabia...

O fato é que o chefe dos publicanos soube intuir que aquele evento, da passagem de Jesus, na cidade de Jericó, mudaria a sua vida.

Zaqueu intuiu, mas nós sabemos que se tratava do Messias. E porque tenho a impressão de que Jesus atravessa nos dias atuais as vias urbanas sem que seja notado?

Observo ao meu redor...

O humano dos meus dias permanece alheio à passagem do tempo.

Outrora era o templo suntuoso, o comércio emergente, as ofertas, imolações e as obrigações religiosas impostas pela lei. Hoje, são os altos prédios, outdoors, buzinas, o insano embate da multidão na busca pela sobrevivência. Rostos sem nomes, vidas sem tempo, angústias sem eco. Porém, aí está, a mesma indiferença, e o gosto pelas distrações.

O que faria eu se soubesse que Jesus estaria hoje em minha cidade?

Zaqueu não teve dúvida. Queria conhecer o Mestre. A multidão dos curiosos impossibilitava o contato. Zaqueu tinha baixa estatura.

Mas, Zaqueu antecipou-se. Antes da passagem de Jesus, o rico publicano correu adiante, subiu em uma alta árvore, e postou-se à espera.

Zaqueu preparou-se. Ele se predispôs.

Somos nós, tal qual Zaqueu, predispostos ao encontro com o Mestre?

Percebam que Jesus, dentre toda a multidão, notou Zaqueu sobre o sicômoro. E ao olhar do Rabi Galileu, Zaqueu rendeu-se de vez. Sim, era àquele que Zaqueu esperara por longo tempo...

Mesmo sem Zaqueu dizer palavra, Jesus reconhece o seu anfitrião naquela cidade.

Zaqueu já o recebera antes em seu coração. Por isto, o auto convite de Jesus não foi uma indelicadeza, um abuso. Não. Jesus externou em palavras o convite mental de Zaqueu: “Hospede-se em minha casa, Rabi!”, cantava a alma do publicano. O Messias ouviu o cântico: “... Zaqueu, apressai-vos em descer, porque é preciso que eu me aloje hoje em sua casa.” Zaqueu foi atendido em seu apelo.

No entanto, os murmuradores, sempre presentes e dispostos com seus contra argumentos, dispararam envenenados: “Ele foi alojar-se na casa de um homem de má vida”.

Os caluniadores são cegos e surdos na alma, mas não são mudos.          

O que faria eu se soubesse que Jesus estaria hoje em minha cidade?

Ele passa...

Jesus está em minha cidade. Vejo-o, por vezes, o sinto nos rostos sem nomes, nas vidas sem tempo, nas angústias sem eco.

Jesus está tão próximo em meu próximo, tão semelhante em meu semelhante, que nele me reconheço.

Zaqueu subiu no sicômoro para ver Jesus, e Jesus pediu sua descida para em sua morada fazer-se hóspede.

Quando subiremos no sicômoro?