segunda-feira, 26 de novembro de 2012

CALDEIRÃO MULTICOR

 



Arranco o sal da sua boca
 
com um beijo esfacelado
 
Língua áspera, garganta rouca
 
Vitral colorido, estilhaçado
 
 
O cimento do silêncio
 
reproduz paredes fortes
 
Tranca a porta do aposento:
 
ríspido, triste, audaz e nobre
 
 
Escorre pela rua
 
sangue novo meu amigo
 
Já não sabe em qual lua
 
repousar o seu abrigo
 
 
Planeja nas esquinas
 
A farpa cálida do seu pranto
 
Traz em si chagas benignas
 
desaguadas em enganos santos
 
 
Ofegante abre o seu peito
 
rasga e pisa na mortalha
 
Mas, não pense em desrespeito:
 
quero aquecer a fornalha!
 
 
 
 
NOTA DO AUTOR:


A introversão como um convite ao autodescobrimento.
 
O enfrentamento dos focos conflitivos da personalidade desnuda a causa da dor ôntica.
 
A chamada "zona de conforto" é uma máscara de enganosa repercussão: de um lado a aparente tranquilidade, e do outro a fatal estagnação.
 
O ser pleno é um devir, uma constante mutação.
 
Reinventar-se é obra de coragem e fé!







domingo, 18 de novembro de 2012

ALEGORIA







A rosa de um poema não precisa ser vermelha
 
Pode ser, por assim dizer... descolorida
 
Não precisa estar no campo, no jardim
 
Pode estar na lama, no bruto lapidar
 
 
 
Inodora, se possível
 
para não envenenar
 
Uma rosa comestível, por que não?!
 
para matar a fome de amor
 
 
 
Uma rosa explosiva (radioativa)
 
pode trucidar
 
A rosa do poema tem urgência
 
de dignificar, desconstruir às avessas
 
 
 
A rosa antipoética refaz
 
a política ideia
 
de reconduzir
 
à lugar nenhum (fora de nós)
 
 
 
 
NOTA DO AUTOR:
 
 
A força dos símbolos como forma de representação do insconsciente.
 
A "rosa" do texto pode não ser flor. A palavra, como materialização do pensamento, deve estar livre de todo e qualquer condicionamento que limite a capacidade criativa, quando se pretende multiplicar signos linguísticos.
 
Toda arte nasce da necessidade de expressão. Para isto não carece de utilidade e nem de objetivo.
 
Há na subjetividade qualquer coisa de infinito que atrai, e mantém o sentido da vida.
 
 
 
 
 

domingo, 11 de novembro de 2012

VENENO DA RAÇA


 




Já sangrei minha dor
 
Provei o temor do perigo
 
Degustei o vinho proibido
 
Ganhei, perdi, busquei abrigo
 
 
Aflitos, sós: são sóis de sãos
 
Derrama cálices lunares crescentes
 
Inclassificáveis formas de ser
 
Domina o fascínio da serpente
 
 
Ausente sentido infinito
 
Onde estão os culpados?
 
Contém o grito demente
 
 
Herança de antigas gerações
 
Barbárie de tempos longíquos
 
Atávico, em tempo presente
 
 
Indiferente maneira de vê-la
 
Da capela ouve-se o apelo
 
Um dilema envenena a alfazema
 
 
 
 
NOTA DO AUTOR:
 
 
A sintomatologia alegórica do pecado, da culpa e da queda humana.
 
Até que ponto a transgressão da lei natural é parte integrante da própria lei?
 
Crer que a raça humana é a resultante da maldade e da impureza é tão ilógico quanto irreal.
 
Aceito a rebeldia como um estágio opcional de contestação para o aprendizado. Mas, não entendo que a busca do conhecimento por meio da experiência pessoal seja antinatural.
 
A perfeição possível não está no trajeto está na chegada.

domingo, 4 de novembro de 2012

A MÃO


 
(NA ESCADARIA DE UMA CIDADE QUALQUER)
 
 
 
 
 
 
 
 
A mão espalmada ao ar...pede
 
Degrau pós degrau sinto-a distante
 
Vou subindo,
 
não indiferente: relutante
 
 
A mão espalmada ao ar...pede
 
Passam pernas,
 
por ela, apressadas
 
Sobem, descem as escadas
 
 
Espalmada, a mão pede
 
Não cede,
 
não esquece,
 
não desaparece...
 
 
A mão espalmada ao ar...pede
 
Respiro cheiro familar, no ar
 
Carne humana servida
 
 em cada esquina ao Deus-dará
 
 
A mão espalmada ao ar...pede
 
Nos outdoors as luzes são luxo
 
Na escada, sentada, quase imóvel
 
A mão... pede
 
 
No lixo, na praça,
 
na escadaria, portaria
 
Quase extática,
 
quase viril, quase viva
 
 
A mão espalmada ao ar...pede
 
Cede,
 
esquece,
 
desaparece...
 
 
 
 
NOTA DO AUTOR:
 
 
A indiferença social como violenta forma de exclusão humana. O texto acima denuncia a omissão da sociedade civil perante o próximo, tratado como distante ou ausente, por não enquadrar-se no sistema-modelo adotado.
 
A "mão" é símbolo do pedido, do apelo deste incômodo solicitante que, por vezes, bate a nossa porta, ou ousa nos parar na via pública, para nos lembrar sua existência.
 
A "mão" que pede e apela por sobrevivência é a mesma mão que acolhida pela dignidade do trabalho e da instrução produz o cidadão consciente.
 
Nas malhas do ventre da mãe cidade é tecido o amanhã dos anônimos transeuntes. Somos parte integrante desta roupagem, cuja tessitura veste a justiça social.