domingo, 29 de abril de 2012

CRÔNICA DE UM JOVEM VELHO NOVO





O homem velho parado por instante
observa o desfile da ambicionada juventude:
Corpos esbeltos, rostos sorridentes
parecem insultos decorrentes do tempo ingrato

O inato sentimento de poder,
parece não mais importar
Como se a dor de outrora fora substituída por outra:
Arrependimento

O homem velho já não desperdiça seu tempo
têm urgência de viver
Aproveita cada suspiro, acaricia cada palavra,
aposta no beijo esquecido

O homem velho tardou em amanhecer o real sentido
Enquanto, seus olhos cansados vão se fechando, pedindo abrigo
Lembra-se de sussurrar em abafado gemido:
"Esperança, herança dos aflitos."


NOTA DO AUTOR:

Neste texto os olhos do homem velho representam a perspectiva do cronista em interpretar o mundo externo, que se mostra a ele impactante, contraditório e ao mesmo tempo libertador.
As impressões da personagem projetam-se em imagens objetivas, e são interiorizadas em seu subjetivismo de rememoração e auto-análise.
O homem velho ambiciona encontrar nas experiências distantes e não vividas, um estímulo para compreender, que a existência, ainda que breve, traz sempre consigo uma intenção de continuidade.

domingo, 22 de abril de 2012

MATRIARCA SECULAR

Fotografia: Vanessa Cavalcante




A água desfez os meus anseios
Deitou-me em seu leito
e me contou em múrmurios, cachoeiras,
as fontes dos seus segredos

Água-viva, engendrou-me em suas algas,
fincou seu suave desaguar
Trouxe- me seu manancial de clarezas alvas
leve e vivo pulsar

Abraçou-me, envolveu-me, saciou minha sede
Na paz de seu silêncio, desviou-me dos seixos
e beijou meu corpo na brisa marítima
de um tranquilo vento

Ouvi sua voz decifrada no canto da sereia
possuidora dos seus mistérios
Água-signo, água-brilho-lua-despertar
Água vida, mãe generosa, recomeçar...


 
NOTA DO AUTOR:

A água simboliza o fluir de emoções e sentimentos não expostos pela análise racional, psicanalítica, mas intuitiva, propositadamente subjetiva, para criar um clima de introjeção da imagem da água percorrendo a mente da voz-poema.
Como as águas que fluem para o mar, há um desejo intenso de que o destino implique em recomeço.

domingo, 15 de abril de 2012

ROSA PÚRPURA PROSA






A rosa despetalada,
jogada no canto do quarto
ao lado do curto poema rabiscado
delata a noite sem sono
Prosaica rosa aos olhos de outrem

"Olhai os lírios do campo", meu caro rapaz,
e descobrirás o assombro da nossa presunção
Ecoa o canto pelos ares
Apesar dos pesares sois o encanto
Rosa despetalada embrulhada num manto

Não vistes um milagre, e no entanto,
acrediteis além do que vistes
Abriste o caminho para ti

Tão logo a vi, logo percebi
que não eras, pois sois o encanto
Rosa despetalada de triste acalanto


NOTA DO AUTOR:

O texto remete o leitor a imagem recorrente da rosa, que simboliza uma desilusão presente e não superada. No entanto, a voz poética atua como uma memória de fatos passados, recapitulando entre o sonho e a realidade, apesar da melancolia, uma esperança de que a própria rosa como bela e sugestiva imagem supere a tristeza pelo encantamento da sua presença.

domingo, 8 de abril de 2012

EXÍLIO D'ALMA

Fotografia : Vanessa Cavalcante





Buscar inspiração é uma luta sã
Busca contínua, mal rompe a manhã
Traduzo o que vejo com olhos suspeitos
Procuro um efeito
Quero um verso que soe como um cântico

Romântico imerso no mistério
Deságuo minha vaidade em um rio de meias verdades
escritas a meia-luz, reluz
Idéias desordenadas,
selecionadas como imagens projetadas
por câmeras no trilho

Sou filho do tempo
Espero o momento
em que o sentimento seja-me um unguento para os meus pesares
Alhures escuto outrora vozes do despertar
Um dia vou voltar, vou voltar
ao meu lugar

E ouvirei cantar um Sabiá,
Uma Sabiá cantará
Se há, seja
Seja, se há
Se há, seja...


NOTA DO AUTOR:

O texto acima foi inspirado no poema "Canção do Exílio", do poeta maranhense Antônio Gonçalves Dias (1823-1864), escrito no ano de 1843 na cidade de Coimbra, Portugal.
No entanto, se no poema de Gonçalves Dias o retorno a terra natal é o apelo recorrente, no texto acima o apelo é à inspiração, como uma sensação indefinida, mas de presença arrebatadora, cuja lembrança remete para imagens que assaltam a mente do autor, para finalizar com um quase cântico, repetindo sonoramente a frase musical de um(a) Sabiá - "Se há, seja...", configurando um misto de dúvida sobre a ação inspiradora, e o ato real, objetivo de grafar palavras, construindo o texto.

domingo, 1 de abril de 2012

LEVE PLUMA




Pluma, leve pluma
desliza pelos ares
flutua entre árvores
passa sobre mares

Enquanto maré se distancia,
Pluma, leve pluma
para longe, além do navegante
para onde olhos não veêm
para perto daqueles que crêem

Vento, suave vento
leva, leve pluma
cada vez mais distante
além do navegante

Pluma, leve pluma
desliza pelos prédios,
desliza nua,
entre casas,
avenidas...

Pluma, leve pluma
sai passando,
                    vai caindo,
                                     cai sumindo,
                                                         sob um infinito,
                                                                                  tão bonito,
                                                                                                   que não sei...
                                                                                                                       aonde vai? 


NOTA DO AUTOR:

 Liberdade, suavidade, sutileza, sensibilidade frente aos contrastes: paisagem natural x paisagem urbana. São imagens sugeridas neste poema, "Leve Pluma". Como se o pensamento humano estivesse projetado na figura da pluma que desliza, se movimenta, passando, caindo, sumindo... aonde vai?

Expressar-se, manifestar-se são anseios, necessidades da nossa humana condição de pensantes, seres únicos, ao mesmo tempo tão distintos, e tão semelhantes na busca de uma plenitude que tanto desejamos, sem sabê-la definir.

Quão belo é este enigma de ser... e por que não ser?