domingo, 26 de agosto de 2012

SONETO DE UM OUTRO VERANEIO









 
 
 
 
 
  
 
Nem tão escuro que não se possa enxergar
Nem tão claro que venha o brilho cegar
Seja chama, candeia a me guiar
Sabedoria, brasa a me arder
 
 
O verso sacro profana-se ao declamar
No canto plácido, crepúsculo do entardecer
Vago soneto, tormento a latejar
Augusta dama, entrega o corpo ao adormecer
 
 
Finda o dia, o dilema não termina
Sapiência, só a dor ainda ensina
Sinto o pulsar, um renascer já diferente
 
 
O martírio não revolta em triste sina
Cicatriza o coração a glória-vida
No olhar, um ardor de herói valente
 
 
 
NOTA DO AUTOR
 
 
Segundo investigações do Prof. G. A. Cesareo, o soneto foi criado por um poeta siciliano chamado Giácomo de Lentini, que viveu na primeira metade do século XII. Antes desta pesquisa do Prof. Cesareo, uns atribuíam a paternidade do soneto ao trovador francês Girard de Bourneil e, outros, ao italiano Petrus de Vineis. Originalmente era a letra de uma pequena melodia.
 
Dante e Petrarca foram os primeiros grandes cultores do soneto. No século XV, o Marquês de Santilhana introduz esta forma poemática na Espanha. Sá de Miranda a introduz na literatura portuguesa, no século seguinte.
 
Quanto à estrutura estrófica, o soneto se constitui de quatorze versos distribuídos em duas quadras e dois tercetos. Os versos comumente são decassílabos. No século XIX, foram comuns os sonetos de versos alexandrinos e setissílabos. O soneto é um dos mais perfeitos poemas de forma fixa.
 
Os dois quartetos devem fazer a apresentação do tema. No primeiro terceto há a elevação do assunto, seguindo o ritmo do pensamento do autor. O terceto final conterá a conclusão, é a chamada chave de ouro.
 
(Estas informações foram coletadas do Manual Compacto de Redação e Estilo, de autoria de Ana Tereza Pinto de Oliveira, publicado pela editora RIDEEL).  
 
O presente soneto intitula-se de "....um outro veraneio", pois mantém a forma fixa de duas quadras e dois tercetos, mas rompe com a métrica das sílabas poéticas, alternando-as. Faz, portanto, homenagem ao estilo clássico na forma, porém aproxima-se do estilo simbolista, na musicalidade e, do modernista na composição silábica e na temática existencialista.
 
 

domingo, 19 de agosto de 2012

TORRENTE TRAVESSIA









Recolho em breves instantes
palavras tingidas
no azul-oceano-vida
O redemoinho dos repetidos dias,
transpõe o espelho translúcido


O manto, a espada, a coroa...
Descortino a paisagem, a miragem, o crepúsculo
Não demora vir o canto sereno da noite
Cansado de batalhas sem vencedores,
de lâminas retalhando a esmo


Componho ao som de grilos,
versos plácidos
sem melodia gratuita
Salto a veia, ostento fecundo
o brotar da dúvida


Traduzo a canção navegante:
"No barco havia redes
no silêncio, só: o mar"
A manhã abriu em luz a sua presença
e o galo anunciou tácito a novidade



NOTA DO AUTOR:

A vontade de transcender, ir além. Descobrir significados diante das imagens que se apresentam ao olhar lírico da voz poema.

A realidade temporal, imediata passa à um plano secundário. Convém fazer a travessia ao encontro do vago, do impreciso, do simbolismo lúdico.

A mente racional ausenta-se para dar vazão ao sentir intuitivo.

A novidade consiste em saber-se uno diante da dispersão.

domingo, 12 de agosto de 2012

SENZALAS MODERNAS






"As mãos amarradas,
as costas açoitadas,
um grito: piedade!"



Ouve-se um bramido,

nas ruas um pedido

de vera liberdade

Vozes ancestrais,

da África brasilis

clamam findar a nova senzala


Não mais o sangue,

a corrente,

o chicote

A exclusão define a sorte

do povo raiz

da latina nação


Não separe na cor

o que a dor já uniu

Hasteia-se a bandeira:

Ignorância não mais!

Agrupam-se culturas, canções e tambores

sob a justiça austera... há paz!




NOTA DO AUTOR:


Romper com o "apartheid" (segregação) cultural imposto e passivamente aceito por grande parcela dos brasileiros que desconhecem ou se mostram indiferentes a história de seu país, as suas origens, sua cultura, seus destinos. Adotando um modelo padrão, massificado, de culto as nulidades, renunciamos ao sagrado direito de raciocinar e decidir com alguma independência.

Não intenciono um nostálgico discurso nacionalista para defender algum novo projeto-modelo de contracultura.

Somente convido o leitor a revisitar as raízes brasileiras como um processo de identificação com a nossa originalidade criativa e não padronizada, indefinível, pois genuína, verdadeira.

Sábio é aquele que descobre tesouros enterrados sob os seus próprios pés.






domingo, 5 de agosto de 2012

ALICE, NO SERTÃO DAS MEMÓRIAS



 
(Obra de Cândido Portinari - "Os Retirantes" - 1944)



 



"Quando eu morrer, que me enterrem
na beira do chapadão
- contente com minha terra
cansado de tanta guerra
crescido de coração
Tôo"

(João Guimarães Rosa)

 


Dorme a terra,
dorme o sol,
dorme a noite,
dorme a lua
Só,
quem não dorme é Alice

Carne crua,
a minha
a tua voz
de nós o que venha
de vós o que foi

Ela já sabe aonde vai esta estrada
novo sol de um dia que vem
E é da luz do seu suor
que nasce a esperança,
um choro de criança?

A terra rachada,
lanhadas as costas,
levantados do chão,
no sertão das memórias
deserto sem valor

Épico de poeira e carvão
de Luiz,
de José,
de João,
de Alice, ali se...

Dorme a terra,
dorme o sol,
dorme a noite,
dorme a lua
Só,
quem não dorme é Alice

Dorme Alice,
dorme ali se...
Dorme Alice,
dorme ali se...
dorme?!




NOTA DO AUTOR


A dignidade humana afrontada pela desigualdade imposta pela ação do homem. Esta é a temática central do texto acima, que descreve, em fragmentos, uma história de marginalizados, de párias sociais, assim rotulados pelo orgulho e pela vaidade dos indiferentes.

Uma sociedade que preze valores de fraternidade e solidariedade não patrocina o egoísmo como uma seletiva e predatória forma de exclusão.

A igualdade não se impõe por decreto, mas se dispõe por mérito.