domingo, 24 de março de 2013

POR QUEM LEVEDA A MASSA?





“... semelhante ao fermento, que uma mulher tomou e escondeu em três medidas de farinha, até ficar toda ela levedada”.
 (Mateus, 13; 33 – Lucas, 13; 20-21.)
 

Sob o calor das provações o homem renova-se impulsionando a história.
 

O monge agostiniano levava a sério a sua vocação. Difícil e penoso foi o caminho de afloramento da sua alma.
Lutero era meditativo, austero, melancólico e dedicado ao estudo dos seus autores prediletos e da Bíblia.
Não seria no claustro, no entanto, que encontraria a paz interior que procurava. Orava, jejuava, mas não conseguia se libertar das angústias íntimas e das questões de consciência que o perturbavam.
Staupitz, sacerdote, seu amigo e conselheiro dizia para consolá-lo:
“De minha parte, prometi a Deus, mais de mil vezes, ser melhor, e ainda não cumpri minha promessa”.
A alma atribulada do noviço confortava-se ao ouvir a humilde confissão do amigo. Aquietava-se por algum tempo, porém Lutero se afligia pela incerteza da sua salvação. Duvidava que as práticas religiosas resolvessem esta questão.
Terminou o noviciado, fez os primeiros votos e aceitou as vestimentas da Ordem. Tornar-se-ia, por fim, um homem novo?
Cumprindo uma praxe do Cristianismo primitivo, o noviço recebia a imposição de mãos. Na época apostólica, este gesto, conferia ao receptor a ativação dos dons espirituais, caso fosse o caso, porém, agora se reduzia tão somente a um rito simbólico, vazio e automático. Com um círio aceso, a cerimônia se encerrava com a invocação do Espírito, num hino chamado Veni Sancte Spiritus. Para encerrar o jovem recebia de todos os irmãos o ósculo (beijo) cristão.
Após o encantamento das primeiras horas da ordenação, que representaram uma curta trégua íntima, Lutero viu recomeçarem suas dúvidas e angústias. Onde encontraria a paz?
- Eu era – diria Lutero – o homem mais miserável da Terra. Dia e noite, somente o desespero e o lamento me faziam companhia, e ninguém poderia fazer algo por mim, porque eu não conhecia Jesus Cristo, quer dizer, eu o temia. Via-o como um severo juiz de quem procurava fugir sem, contudo, jamais conseguir.
 
Este episodio da vida de Martinho Lutero (1483-1546), expõe a fragilidade do então monge agostiniano, atormentado por duras provas morais.
É fácil, no entanto, nos identificarmos com suas angústias. Quando desperto para as realidades do Espírito, o homem sofre intensamente por suas limitações frente aos horizontes de uma nova vida que se desenrola às suas vistas, sem que possa identificá-la com a clareza desejada.
A fé carece do respaldo de suas inseparáveis companheiras: a esperança e o amor.
Paulo, o apóstolo de Tarso, confirma esta realidade em I Coríntios 13; 13: “Agora, pois permaneçam a fé, a esperança e o amor, estes três, mas o maior é o amor”.
 
Em uma de suas parábolas Jesus compara o seu Reino ao fermento que uma mulher tomou, e escondeu em três medidas de farinha, até ficar toda ela levedada.
Fermento = Reino dos Céus (Paz de espírito);
Mulher = ser humano, a massa do Reino;
Três medidas = Fé, Esperança e Amor.
 
Esta é a receita da Autorrealização humana. Sob o calor das provas, a massa da razão e do sentimento é submetida à levedura. Escondida, num primeiro momento, a substância do Reino em nós, chama-se Consciência. Aflorada, em vigília, ela ofertará o pão que sacia a fome das multidões.
O autoencontro não se dá no claustro. É na ceia que o pão é partilhado.
E por quem leveda a massa?


 OBS: Citação biográfica sobre Martinho Lutero escrita com base em relatos do livro "As Marcas do Cristo", de Hermínio Côrrea Miranda, Editora FEB.
 

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